segunda-feira, 26 de julho de 2010

VELÓRIOS




A lágrima que caia dos seus olhos naquele momento já não era tão “viva” como as lágrimas que escorreram sobre sua face durante toda sua vida.
A paixão sempre foi um problema para Laura, mas nunca pensou que fosse ser tão perigoso se encantar, nem que demoraria tanto tempo pra perceber as qualidades de alguém. Alguém que nesse caso era Jéferson, seu primo.
Encontra-lo agora, digo, a poucos minutos, fez relembrar tudo, mas pra quê relembrar? Já não existe mais nada! Ou pelo menos foi o que ela disse a Jéferson no dia do seu casamento. Disse-lhe tudo! Tudo mentira, é verdade, mas lhe disse tudo. Não podia, dessa maneira, trair!
Jéferson casou cedo, as crianças adoravam Laura. Chamavam-lhe de tia! Não. Definitivamente não podia. E... primo com primo... isso não dá certo!
Mas hoje... logo hoje! Talvez fosse mesmo o melhor dia para reencontrá-lo e enterrar, com seja lá quem for que estiver naquele caixão, essa história. Ela era feliz. Sempre foi. Fez sempre o que quis e não era uma paixãozinha qualquer que a impediria, nesse momento, de fazer o que achava melhor.
Não olhou. Fingiu não vê-lo. Mesmo assim percebeu sua tristeza quando olhava escondido para ninguém ver. Pai é um só, né? Já se preparava para quando fosse a sua vez... Lembrou o quanto ele apoiava a união dos dois. Em qualquer reunião familiar, o tio deixava claro que Laura seria a nora perfeita pra ele. Citava todos os seu predicados e alertava o filho: “Jéferson... abra o olho! Olhe a garota maravilhosa que ta sentada do seu lado!”. Riamos e o assunto morria. Todos já estavam acostumados com as brincadeiras do tio Ricardo. Nesse caso não era brincadeira, mas como só ele e a tia Dalva sabiam, o comentário soava como gozação. Eles eram muito discretos e até hoje ninguém sabia.
O silêncio era o amigo mais presente no ambiente. Em certos momentos era tanto que nem os soluços da viúva eram ouvidos. E. Em meio a inúmeros olhares escondidos, eis que acontece um encontro. E agora? Conseguia fingir tudo, mas naquele momento.... Era impossível! Foram necessários milésimos de segundos para que tivesse certeza que ele lia sua alma e sabia das mentiras, dos fingimentos, tudo! Sentia também algo diferente em seu olhar. Revolta? É... os olhos fixos nela... parecia revolta... mas por quê? Foi acidente!
Viu ele se aproximar e, por um momento, parou de sentir o pulsar do seu coração. Seu corpo tremia tanto que pulsação e tremor se misturaram, já não tinha como distinguir. Jéferson agarrou seu braço como se fosse a única coisa que desejasse na face da Terra. E era. Laura não sabia o que pensar, que satisfação dar a seu marido que olhava intrigado o acontecimento. Viu também sua tia, cúmplice do amor dos dois, que fitava a situação com os olhos arregalados. Ele nunca a tratou dessa maneira! E. longe daquele silêncio, o ouviu dizer tudo o que queria dizer, chorar, pedir, sorrir (?)... enlouquecer! Constatou que não era revolta o que tinha visto em seus olhos, era ódio, loucura!
Braços e mãos se fundiram num misto de pavor, confusão, amor... até sentir que não podia mais mexe-los- estavam presos.
Ouviu palavras que soaram como despedida... e um estampido. Sentiu essa lágrima morta, e, antes de tudo se apagar, ouviu outro estampido. E viu a lágrima morta de Jéferson...


Elaine Santana
31/08/05

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