sábado, 15 de março de 2008

O GALPÃO E O TREM


Eu entrei num galpão,
e fiz uma viagem de trem....
Dois pombos voavam
e eu vi uma vala.
-Nego! Não traga Wiliams pra lama não!

Entrei num galpão
e vi um mundo paralelo.
Dois pombos voavam
e o cachorro brincava.

Entrei num galpão...

Um mundo colorido desbotado,
Um mundo de madeiras e varais...
De bebês...

Era um mini-bairro
Guardado num galpão.
Escondido, porque é feio.

E o feio se esconde.

Viajei de trem
e vi um grande galpão
com bairros dentro.
Vi o mar... vi um mar...
de casinhas
encima de palafitas.
Que sustentam prédios

Grandes...

Eu vi o menino correndo
na margem do esgoto.
Criando o seu mundo paralelo,
paralelo à miséria,
à doença, à pobreza.

E Fred me mostrou o descaso.
A nossa maneira de ver
Sair e brincar, e continuar,
E rir, e fazer festa.
E esquecer.
E ver o por do sol
ao invés
de olhar do outro lado.
O lado da vala.
Da rua do corre ou morre.

Rua do corre ou morre...

Tudo me lembrou Castro Alves.
Navios negreiros de concreto.
Recitei.
No ritmo do trem.
Do trem negreiro.

Não podem mais nos matar,
Usemos Aristóteles, então.

Eu vi!
Eu vi o muro,
De barro
Eu vi as casas encima do muro

E vi o muro cair!

Fiz uma viagem de trem
E entrei num galpão
Havia vida ali
Havia gente
...
gente
...
Gente!
...
O barulho do trem fez correr meu pensamento
Vi os mesmo varais
E vi as madeiras fora do galpão

Fiz uma viagem de trem
E entrei num galpão...




ELAINE SOUZA
09 / 05 / 2006

“Escolhas”



Certa vez um menino com sede viu um lago perto de sua casa, onde fazia muito calor e muitas vezes faltava água. Que alegria... mergulhou sem nem saber se existiam pedras, peixes venenosos ou qualquer outro perigo. E não tinha mesmo. A não ser uns galhos que podiam arranhar, uns mosquitos, coisas suportáveis e irrelevantes frente à beleza do lago.
Esse lago passou a ser o seu brinquedo preferido. Todos os dias ele ia pra lá e rezava sempre pra que ele (o lago) nunca secasse. Cada dia encontrava uma flor mais bonita, um bichinho diferente, um peixe mais colorido. A água que o lago lhe dava era limpa... fresca... e era muito bom ir lá só pra olhar, refletir ou se acalmar nas horas em que estava chateado.
Levou alguns amigos para conhecer, mas gostava mesmo de ir lá sozinho. E ficava com medo que as pessoas não cuidassem bem dele, maltratassem, sujassem. Então só levava pessoas de confiança a quem queria dar um presente. O presente era o lago. Sentia-se um pouco invadido, mas sabia que as outras pessoas também tinham direito ao lago. Podiam banhar-se também.
Um dia o menino viu uma borboleta diferente voando sobre as árvores que ficavam um pouco depois do lago, não dava pra ver muito bem, mas chamou sua atenção. Foi até ela. E, chegando lá, viu que ela era bem mais bonita do que imaginava. Tentou se aproximar, mas ela voou mais pra longe. E ele atrás. E seguiu a borboleta até, sem querer, pisar numa poça d’água. E quando olhou viu que não era uma poça, era outro lago, tão impressionante quanto o outro. Ficou num misto de alegria e dúvida. Não sabia se mergulhava ou se voltava pro “seu” lago. Sentou-se para pensar:
“Poderia mergulhar e ver se era tão legal quanto o outro ou poderia mergulhar e bater a cabeça nas pedras. E podia não ter pedras também. E tinha a vantagem de ninguém saber daquele lago novo.”
Pelo menos ninguém que ele conhecia.
Mas ele viveu tantas coisas boas no outro lago... e nem tinha visto tudo no outro ainda! Ficou triste. Queria mergulhar, mas tinha medo. Queria voltar, mas tinha medo também. E se não conseguisse voltar e ficasse perdido no caminho? E se depois de voltar ele esquecesse o caminho do lago novo? E se depois de mergulhar ele batesse a cabeça numa pedra?... E se depois de voltar, o primeiro lago tivesse secado?... E se depois de ficar ele sentisse saudades?... e se depois... e se depois... e se depois...
Ficou ali... sentado.



ELAINE SANTANA
JULHO DE 2007

Evandro! Estou tentando.

Se todas as coisas que pudessem
Em mim conter existisse no mundo,
Nada poderia conter o mundo que existisse em você.
Se não contenho o mundo de alegria e tristeza,
Me contenho para não chorar para o mundo.
Se todas as coisas que pudessem
O mundo reter de alegria num só dia
Seria o dia que te pudesse conter em mim.
Mas a felicidade de amar é o conter sem reter
E me contenho em apenas te ver.
Se todos os dias pudesse reter a alegria que contenho,
Em cada dia no mundo de nós, sem nós,
Seríamos laço.
Não prisão, mas harmonia de não corpos,
Mas existência uma. Música de degustar.
Retida em mim nas ondas da percusividade coração
Que me deixe bater o meu enquanto retenho a alegria de nós
Se não conténs a alegria de nós, que se faça das sobras adubo.
De novos existires, de novos amares.
Se não podes com o amor
O mundo conterá em algum lugar esta poesia
E fará existir

EVANDRO CALISTO

Sonho




Ela estava nua...
Estupidamente vestida de desejo, beleza...
Me olhou,
Emudeci.
Chegou perto...

[As penas flutuam quando caem das grandes asas.
Das pequenas também.
Se lançam na loucura de pensar que podem voar sozinhas.
E voam.]

Despida de tudo que te pudesse esconder.
Olhos azuis.
E dessa vez eram azuis mesmo.

Queria comê-los,
Eles pareciam sorrir,
Me chamar a sugar o cerne,
A alma, o coração, o íntimo.

Fascínio e desejo se confundiram na visão turva...

A piscina... a água... a boca...
Me afoguei.


Elaine Santana

COISAS DE MENINO



EU SEMPRE GOSTEI DE VERMELHO.

ELE ME DISSE QUE É COR DE MENINA.
MAS EU GOSTO DE VERMELHO E NAO SOU MENINA!

NO ANO PASSADO, QUANDO EU ESTAVA FAZENDO SETE ANOS, PEDI PRA ELE FAZER A MINHA FESTINHA COM A DECORAÇAO VERMELHA. MAS EU ACHO QUE ELE NÃO ENTENDEU. TAVA TUDO AZUL! E ELE NEM VIU... TALVEZ ELE TENHA ATE PEDIDO PRA QUE A MOÇA FAZEDOURA DE FESTAS FIZESSE VERMELHO, MAS ELA NAO FEZ. BATI O PARABENS COM UM MONTE DE GENTE QUE EU NEM CONHEÇO DIREITO.

MAS EU ACHO QUE FOI PRA FAZER SUPRESA QUE ELE NAO VEIO.

TROUXE UM CARRO E UM BONECO DO X-MAN.
EU GOSTEI.
MAS SE ELE VIESSE...
E ME DESSE OS BRINQUEDOS TAMBÉM,
IA SER MAIS LEGAL, NÉ?

NA FORMATURA ELE TAMBEM NAO FOI, QUER DIZER, FOI, MAS SO CHEGOU DEPOIS DA APRESENTAÇAO DA MUSICA QUE EU QUERIA QUE ELE VISSE. PASSEI UM TEMPAO ENSAIANDO E A PROFESSORA DISSE QUE EU ESTAVA CANTANDO OTIMO! ELE ME DISSE QUE A CULPA FOI DO CHEFE. EU NAO CONHEÇO ESSE TAL DE CHEFE, MAS QUANDO CHEFE VIER AQUI EU VOU DAR UMA BRONCA EM CHEFE.

POXA!

CHEFE NAO SABIA QUE TAVA COMBINADO QUE ELE IA SAIR MAIS CEDO?

TAVA COMBINADO!
E COMBINADO É COMBINADO!

ELE SEMPRE ME DISSE ISSO.
NO DIA DAS MAES EU FUI PRA CASA DA MINHA VO. EU NEM FUI PRO COLEGIO. IA TER UMA ATIVIDADE BOBA DE FAZER CARTAOZINHO PRA MAMAE.
ELE ME DISSE QUE EU JA TO UM HOMENZINHO.
E SE EU TO UM HOMENZINHO,
NAO PRECISO FICAR FAZENDO CARTOES BOBOS!

ELE JA É HOMEM E TAMBEM NAO FAZ! E AINDA POR CIMA, O CORREIO NAO LEVA CARTAS PRO CEU,
NEM EU SEI O ENDEREÇO DA MAMAE LA EM CIMA...
EU GOSTO DA CASA DA VOVO.
TEM UM JARDIM GRANDE...
DA PRA BRINCAR DE PEGA-PEGA,
MAS NINGUEM NUNCA QUER BRINCAR!

A VOVO NEM ANDA DIREITO, MUITO MENOS CORRE E MINHA TIA É CHATA!
É.
ELA FICA FALANDO O TEMPO TODO QUE EU TO FAZENDO BARULHO E QUE A NENEM TA DORMINDO.

MAS NAO DA PRA BRINCAR SEM FAZER BARULHO!

A VOVO DISSE PRA EU NAO FICAR TRISTE QUANDO ELA BRIGA.
EU GOSTO DA MINHA VOZINHA...
GOSTO MESMO! EU QUERIA MORAR COM ELA, MAS ELA DISSE QUE PRECISA DO GUARDA! ACHEI ENGRAÇADO.
O QUE O GUARDA TEM A VER COM ISSO?
EU NAO SOU LADRAO!
O GUARDA SO APARECE QUANDO ALGUEM MORRE.
EU VI NA TELEVISAO.
QUANDO ELE SAI E A EMPREGADA TA COZINHANDO EU VEJO O QUE EU QUERO NA TV. ELES NEM SABEM!

A COMIDA DA VOVO É GOSTOSA. ELA NAO COLOCA OVO. A EMPREGADA DISSE QUE OVO É BOM E ME DA PRA EU COMER COM ARROZ. É RAPIDINHO QUE ELA FAZ. A COMIDA DA VOVO DEMORA...! MAS FICA MUITO BOM. ATE VERDURA EU COMO! EU COMO TUDO E DE TARDE AINDA TEM MERENDA QUE NEM NA ESCOLA.

UM DIA EU DEI MUITA RISADA DA MINHA VO. ELA AINDA ACREDITA EM PAPAI NOEL!! EU DISSE A ELA QUE NAO EXISTE.
FOI ELE QUE ME CONTOU.
ME DISSE QUE EU JA TAVA FICANDO GRANDINHO E QUE EU JA PODIA SABER QUE NAO EXISTIA.

ACHO QUE NINGUEM CONTOU PRA VOVO...

EU FIQUEI TRISTE NO DIA QUE ELE ME CONTOU, MAS AGORA EU JA ME ACOSTUMEI.
MAS A VOVO... ELA É ENGRAÇADA. SE ELA FOSSE CRIANÇA, SERIA MINHA MELHOR AMIGA.
HOJE, QUANDO ACORDEI A EMPREGADA AINDA NAO TINHA CHEGADO E ELE TAVA DORMINDO.
ELE BEBEU CERVEJA DE NOITE.
TEM UM MONTE DE GARRAFA VAZIA NA SALA.

FIQUEI MUITO BRAVO.

EU NAO GOSTO QUE ELE BEBA CERVEJA!


TEVE
UMA
VEZ
QUE
ELE
BEBEU
CERVEJA
COM
UMA
AMIGA
DELE
E
ME
TRANCOU
NO
QUARTO

PRA EU NAO VER.

MAS EU SEI O QUE ELES IAM FAZER.
ELE PENSA QUE EU NAO SEI!

MAS EU SEI.

EU FICO COM MEDO DE FICAR TRANCADO!
ELE SABIA, EU JA DISSE ISSO A ELE!

SE ELE QUERIA CASAR COM AMIGA DELE E TER OUTROS FILHOS ,

PORQUE ELE NAO DEIXOU EU IR LOGO MORAR COM A MINHA VO?

E AGORA EU TO AQUI, NA SALA,
E
S
P
E
R
A
N
D
O

O

G
U
A
R
D
A

EU MESMO CHAMEI NO TELEFONE.

EU VI
UM DIA
NO FILME,
UM HOMEM
QUE ANDAVA COM UMA FACA NA MAO

E

MATA
AS
PESSOAS.
É FACIL!
VOCÊ
SUSPENDE
AS
DUAS
MAOS
E
DEPOIS
ABAIXA
COM
MUITA

F
O
R
Ç
A.

MAS TEM QUE SER COM MUITA FORÇA, PRA FURAR!

AGORA É SO ESPERAR.
...

O GUARDA VAI CHEGAR E EU VOU MORAR COM A MINHA VÓ.

HI!

FICOU TUDO VERMELHO...
ATE MINHAS MAOS...
ENGRAÇADO...

EU GOSTO DE VERMELHO...

ELAINE SANTANA

Momento infinito


Fitava-o. E era a única coisa que queria e conseguia fazer naquele momento. As palavras vinham e iam com a mesma velocidade. E fitava-o com uma sede, uma coragem, um quase desespero de vê-lo naquela hora. De vê-lo, de simplesmente vê-lo e mais nada. Talvez um pouco mais, mas nada tão libidinoso que viesse a quebrar esse...esse... esse sei lá o quê que estava acontecendo. Via-o e isso era a única coisa que importava no momento. Era vê-lo e saber que estava ali. Estar certa que estava ali, na sua frente. E que ele existia, e que não precisava mais perguntar se enlouquecia, nem esperar mais.
Teve certeza; ali, exatamente ali, que tudo tinha valido a pena. Os anos de espera, o coração apertado... ele existia! Simplesmente existia! E era de verdade!
Era gente. Falava, comia, chorava como todo mundo. E foi aí que a garotinha apareceu. A mesma que falou com Papai Noel pela primeira vez no shopping e teve certeza que tudo que suas amiguinhas diziam era mentira, que valeu a pena acreditar mesmo quando todas elas já tinha descoberto que ele não existia. A garotinha que ouvia estórias de Cinderela, Bela adormecida e outras tantas princesas, só pra ouvir a parte que o príncipe chegava a cavalo e salvava a princesa e os dois viviam felizes para sempre.
Tinha a noção de que ele não era príncipe, que não vinha a cavalo, mas que lhe fizera reviver época sagrada de sua vida. Que estava ele ali, ele mesmo! Tentando a todo custo se esconder, mas aparecendo aos poucos e encantando-a a cada milésimo que passava, a cada lágrima que segurava, a cada letra pronunciada.
Tentou, por várias vezes, falar também, mas algo acontecia que trancava o diafragma e o máximo que conseguia era respirar, olhar e... e... esse diabo de coisa que ela ainda não sabia o que era.
E a garotinha saltitava, ria, corria, sorria, cantava, rodava, subia e descia. E ela ali, parada, extasiada, talvez atônita por descobrir o que acontecia. Por ver que era melhor que brincar de pega-pega, melhor que pipoca doce com leite condensado, melhor que chocolate!
Tentou até chorar (e se conseguisse isso sim, caberia no momento). Mas essa coisa... essa tal coisa não deixava que as lágrimas caíssem.
A menina girava, girava, girava, girava, girava e girava cada vez mais, como o brinquedo que adorava brincar no parquinho com Laurinha, sua amiga, no tempo de criança. Girava... e tanto que anulava a gravidade. Flutuava...
As palavras continuavam a vir e voltar, mas não as ouvia, não piscava, não pensava, não percebia nada. Só fitava com a atenção precisa para não deixa-lo se mover um milímetro para longe. Era quase um amor... amor!... meu Deus! É isso! Era amor! Essa coisa, esse diabo dessa coisa maluca, confusa, boa... era amor! Então gire! Que gire, brinque e salte menininha! Seja feliz! Ame! Ame! Ame! Ame! Ame! Ame!
E o beijou. O beijou, talvez não com tanto desejo como das outras vezes, mas com uma vontade imensa de ter certeza que não sonhava, de que não era delírio, não era fascinação. O beijou com todo, mas com todo o grande, imenso, absurdo, estúpido, bonito e ridículo (porque ele nunca deixará de ser ridículo) amor que acabara de descobrir e que lhe assaltava.
Lágrimas invisíveis correram sobre as suas faces. E só Deus sabe quanto tempo durou aquele momento...


Setembro de 2005

Sobrinhos



Nossos olhos brilham. As vezes brilho das estrelas, as vezes brilho de uma chama. O brilho nos olhos faz de nós, humanos/hipócritas mais lúcidos/loucos, mais nós.
Só os vivos têm brilho nos olhos. Vi pessoas com olhos que brilham, sorrisos que brilham, corpos ofuscados por panos pretos usados para isolar a passagem do brilho para a madeira...
Eu não tenho filhos. Só sobrinhos. Muitos! Ainda não sei o que é amar um filho, mas sobrinhos já sei. São vinte e um! As donas se preocupam com cada articulação. Com o que eles podem ou não fazer. E por mais que elas saibam que nós vamos conseguir observar e cuidar de cada parafuso, cada farpinha de madeira, elas não confiam. Não por maldade, mas por amor. Nada será feito do jeito delas!(será que os filhos sobreviverão?) Ele pode cair, quebrar, entortar, rasgar, travar que vai doer em mim, mas nelas dói mais.
Aprender a cuidar de sobrinhos/bonecos é muito complicado. Por mais que tentemos fazer tudo do jeito que a mãe manda, cuidar até com mais zelo, às vezes. Se ele danificar/machucar ela pensa: “se estivesse comigo não aconteceria”. Mas os bonecos não vivem só com as mães. Existe o mundo todo! Cuidar do boneco dos outros é muito difícil...
Você sabe qual o remédio que ele tem alergia, como ele gosta do café, quanto ele come no almoço, o horário da escola... mas nunca é igual a dona. E fica mais difícil ainda querer que ela aceite outra pessoa dando banho em seu boneco.
Ser tia é bom! Aprendi cedo. A gente vira boneco com os sobrinhos e crianças com os bonecos. Mas quando elas travam/choram, machucam/quebram são elas as mães/donas que vêm acudir.
Animá-los é realmente muito diferente de manipulá-los. Entendi isso. E quando pensei em vencer a inércia, lembrei o quanto tenho que esperar meus irmãos pra entrar num consenso. Quantas vezes eu os fiz esperar... As vezes eles pensam que é só comprar um brinquedo novo, fazer ele andar direitinha, posicionar um foco, levar pra passear. E como somos vários tios... é difícil...
Quando os bonecos podem dizer de quem gostam mais, fica mais fácil. Mas quando o sobrinho precisa de todos os tios... A inércia é grupal. Se um só se move não adianta. E pra sairmos todos, o tempo não é o meu, mas o nosso. Pra toda uma oficina dar certo, o tempo e o consenso é de pais, mães, tios, irmãos.... que é para o brilho ficar uniforme. Ou então uma parte da família brilha/sorri mais enquanto a outra obedece existe.
“ Doeu muito. Inclusive até agora dói. Como em todas as brigas que tenho em família. Eu prefiro confiar, acreditar e pensar que as pessoas são lindas. E são! Só que as vezes mais do que entendo. É uma opção. É melhor chorar de decepção que de descrença. Só preciso não criar expectativas. Tenho que parar de criar expectativas. Maria já me disse isso. Eu acho que devo pensar o mundo de uma forma muito diferente mesmo... Pensei na minha ingenuidade (ou não): como pode alguém com tanto brilho nos olhos vê o mundo assim? Depois de alguns soluços eu olhei pela janela. Vi o laranja dos tijolos das casas sem reboco, o azul espelhado dos prédios luxuosos e pensei na hierarquia... Não. Não acredito. Não aceito. Foi contra ela que eu entrei nessa oficina. É contra ela que luto. Tive tanta vontade de ir embora... mas criei vínculos, compromissos, afetos. E por eles fiquei. Eu choro porque sei que sou grande, mas ainda pequena. Ainda. Mas a tal de hierarquia é uma grande bem grande e já bem criada. Acho na verdade que fui eu quem estava no lugar errado achando que era também meu. Ah... deixa pra lá... vocês não devem estar entendendo nada e se estiverem, amanhã esquecem.”
Por fim, confesso que por mais que eu tenha uma certa invejinha, eu agradeço aos meus irmãos/professores que me ensinam a cuidar e me doam um tempo da alegria dos seus filhos/bonecos.





12 / 03 / 2008