sábado, 15 de março de 2008

Sobrinhos



Nossos olhos brilham. As vezes brilho das estrelas, as vezes brilho de uma chama. O brilho nos olhos faz de nós, humanos/hipócritas mais lúcidos/loucos, mais nós.
Só os vivos têm brilho nos olhos. Vi pessoas com olhos que brilham, sorrisos que brilham, corpos ofuscados por panos pretos usados para isolar a passagem do brilho para a madeira...
Eu não tenho filhos. Só sobrinhos. Muitos! Ainda não sei o que é amar um filho, mas sobrinhos já sei. São vinte e um! As donas se preocupam com cada articulação. Com o que eles podem ou não fazer. E por mais que elas saibam que nós vamos conseguir observar e cuidar de cada parafuso, cada farpinha de madeira, elas não confiam. Não por maldade, mas por amor. Nada será feito do jeito delas!(será que os filhos sobreviverão?) Ele pode cair, quebrar, entortar, rasgar, travar que vai doer em mim, mas nelas dói mais.
Aprender a cuidar de sobrinhos/bonecos é muito complicado. Por mais que tentemos fazer tudo do jeito que a mãe manda, cuidar até com mais zelo, às vezes. Se ele danificar/machucar ela pensa: “se estivesse comigo não aconteceria”. Mas os bonecos não vivem só com as mães. Existe o mundo todo! Cuidar do boneco dos outros é muito difícil...
Você sabe qual o remédio que ele tem alergia, como ele gosta do café, quanto ele come no almoço, o horário da escola... mas nunca é igual a dona. E fica mais difícil ainda querer que ela aceite outra pessoa dando banho em seu boneco.
Ser tia é bom! Aprendi cedo. A gente vira boneco com os sobrinhos e crianças com os bonecos. Mas quando elas travam/choram, machucam/quebram são elas as mães/donas que vêm acudir.
Animá-los é realmente muito diferente de manipulá-los. Entendi isso. E quando pensei em vencer a inércia, lembrei o quanto tenho que esperar meus irmãos pra entrar num consenso. Quantas vezes eu os fiz esperar... As vezes eles pensam que é só comprar um brinquedo novo, fazer ele andar direitinha, posicionar um foco, levar pra passear. E como somos vários tios... é difícil...
Quando os bonecos podem dizer de quem gostam mais, fica mais fácil. Mas quando o sobrinho precisa de todos os tios... A inércia é grupal. Se um só se move não adianta. E pra sairmos todos, o tempo não é o meu, mas o nosso. Pra toda uma oficina dar certo, o tempo e o consenso é de pais, mães, tios, irmãos.... que é para o brilho ficar uniforme. Ou então uma parte da família brilha/sorri mais enquanto a outra obedece existe.
“ Doeu muito. Inclusive até agora dói. Como em todas as brigas que tenho em família. Eu prefiro confiar, acreditar e pensar que as pessoas são lindas. E são! Só que as vezes mais do que entendo. É uma opção. É melhor chorar de decepção que de descrença. Só preciso não criar expectativas. Tenho que parar de criar expectativas. Maria já me disse isso. Eu acho que devo pensar o mundo de uma forma muito diferente mesmo... Pensei na minha ingenuidade (ou não): como pode alguém com tanto brilho nos olhos vê o mundo assim? Depois de alguns soluços eu olhei pela janela. Vi o laranja dos tijolos das casas sem reboco, o azul espelhado dos prédios luxuosos e pensei na hierarquia... Não. Não acredito. Não aceito. Foi contra ela que eu entrei nessa oficina. É contra ela que luto. Tive tanta vontade de ir embora... mas criei vínculos, compromissos, afetos. E por eles fiquei. Eu choro porque sei que sou grande, mas ainda pequena. Ainda. Mas a tal de hierarquia é uma grande bem grande e já bem criada. Acho na verdade que fui eu quem estava no lugar errado achando que era também meu. Ah... deixa pra lá... vocês não devem estar entendendo nada e se estiverem, amanhã esquecem.”
Por fim, confesso que por mais que eu tenha uma certa invejinha, eu agradeço aos meus irmãos/professores que me ensinam a cuidar e me doam um tempo da alegria dos seus filhos/bonecos.





12 / 03 / 2008

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